HAVANA, 10 DE MAIO DE 2019
Cuba, terras de Fidel. Dia de sol e vento fresco.
Hoje,
fazem 25 graus em havana. Sentada á beira mar, sentindo o sol sobre a
minha pele fazendo cair pequeninas gotas de suor que pelo meu rosto
desenham a imagem de uma felicidade que há muito não sentia, decidi
escrever.
Não sei se estarei viva amanhã.
Na verdade, desde que descobri a minha condição e comecei o tratamento, que não sei mais se o futuro ainda é certo.
Há dois anos descobri que tenho um cancro maligno. Na altura me disseram os médicos que não tinha mais de 2 meses de vida. Logo eu!
Estranho. As vezes a vida é engraçada demais.
Vivemos
tanto tempo trancados em nós mesmos que quando despertamos, a cena está
quase no fim, e no palco da vida o nosso desfecho será triste.
Quando, naquela manhã fria, do dia 25 de Dezembro, o médico me anunciou o meu estado, juro que não acreditei. Olhei vezes sem conta para ele na ânsia que me dissesse que se tinha enganado no diagnostico e que já, já traria o meu. Na altura, estava em Haia. Vivia no auge da minha carreira enquanto magistrada.
Nunca parei para pensar muito na vida. Sempre vivi mergulhada em mim mesma.
Deixei família. Meus filhos cresceram e eu não vi. Por causa da realização profissional, quando me propuseram ir a Haia, não olhei para trás e deixei tudo.
Entrei na justiça contra o homem que era tudo para mim e sem que me tocasse perdi tudo que tinha de mais valioso.
Não
dei por mim e a necessidade de sucesso e o orgulho me fizeram perder a
guarda dos meus filhos. Logo eu. Juíza de renome, perder na maior causa
de sua vida.
Devia ter notado os sinais, mas simplesmente os ignorei. A vida me estava a avisar e eu me recusei a ouvir.
Em Haia, acordei muitas vezes sozinha, mergulhada no trabalho e para me completar, fui trabalhando cada vez mais. E trabalhei…trabalhei…somente trabalhei. Mas,
em momento algum me senti realizada. Pensei sempre em voltar para casa.
Mas nada mais me prendia, já que me tinha divorciado e perdido mais do
que a guarda, mas o amor dos meus filhos.
Quando finalmente me
apercebi que era meu o diagnostico, amaldiçoei o dia em que nasci e na
manhã seguinte larguei tudo e vim para cuba.
Cuba tem excelentes médicos, mas se quisesse, teria procurado um hospital siro libanês para me tratar. Mas preferi cuba. Foi aqui aonde passei os melhores momentos da minha vida.
Quando soube que seria mãe pela primeira vez, estava em Aveiro. Lembro da sensação de liberdade e de felicidade perfeita. Tenho os olhos molhados. Sinto as lágrimas me tocarem o rosto. Tenho vivido momentos muito maus. Tenho medo. Estou sozinha. Podia ter voltado para casa. Mas já não sou bem vinda. Meu egoísmo afastou de mim as pessoas mais importantes. Não me sinto no direito de voltar, não quando os meus filhos precisaram de mim e eu não estava lá.
Comecei o tratamento fazem hoje dois anos e talvez por isso tenha decidido escrever.
Perdi meu cabelo. Tenho a pele destruída e me sinto fraca. Só queria que isso fosse um sonho e que amanhã eu fosse acordar em casa. Quero muito voltar no tempo para ouvir meus filhos chorarem de madrugada gritando por mim com medo do escuro. Só queria estar na minha cama e ter meu marido ao meu lado. Eu ainda sinto o cheiro do barbeador que ele usa. Ao longo desses anos, comprei sempre o perfume dele para manter viva em mim a pessoa dele.
Eu
ainda o amo e se de mim dependesse nunca me separaria. Sempre pensei
levar minha família comigo. Ele é que se recusou pois dizia que eu me
tinha tornado numa mulher amarga e obcecada pelo trabalho.
Como o tempo passa sem que nos toquemos.
Hoje eu acho que teria preterido meu trabalho em detrimento do meu casamento. Se pudesse escolher, nunca teria abandonado os sonhos e tudo que construi com ele. Foram bonitos anos. Anos que o tempo não apagou e que me dão força e coragem para enfrentar a terapia.
Não quero morrer sem ver novamente os meus filhos, mas também não quero que me acolham por pena. Quando não sei, mas sei que errei muito nas escolhas que fiz para mim.
Eu tinha tudo e o troquei por nada. Tinha amor. Família. Filhos bonitos e saudáveis. Eu tinha um lar fundado no amor, mas que o orgulho conseguiu destruir por inteiro.
Se pudesse, voltaria no tempo. Pararia o mundo para ter novamente em meus braços o homem que amo e no meu colo os meus filhos. Quero muito voltar á casa e ver as plantas crescerem no jardim de entrada. Queria
muito estar lá para nos dia de chuva dormir bem agarradinha ao meu
marido e ao amanhecer, ver as ultimas gotas escorrer pela vidraça para
molhar a terra.
Como eu quero!
Na verdade, levo uma vida de desejos. Hoje somente os desejos me mantêm viva. Já não tenho mais forças. Perdi os melhores anos da minha vida sem que visse o tempo passar. Queira o destino que eu consiga voltar para reencontrar os meus. Não quero morrer longe de casa.
É esse desejo de voltar para um reencontro o que ainda me mantém viva.