quarta-feira, 13 de junho de 2012

CARTAS DE UMA VIDA II


Mãe, quando me meti a escrever essa carta, tinha as mãos tremulas e os olhos inchados de tanto chorar.

Hoje, está um dia bonito em Moscovo. Fez um sol tímido pela manhã e vi os pássaros voarem junto ao Kremlin num voo perfeito de força e superação.

Mamã, quando soube que ia ser mãe, senti uma dupla alegria dentro do peito. Ia ter nos meus braços o filho do homem que me tocou por inteiro.

Vou ser mamã!

Lembro de lhe ter dito antes de sair de Luanda para vir viver em Moscovo. Mas se senti alegria, também é bem verdade que nunca me perdoei por ter feito o que fiz e deixar-me engravidar por um homem casado e proibido. Nunca tentei me justificar, pois não haveria justificação possível para os meus actos.
Mas, não sei nem como explicar a forma como esse homem me enfeitiçou. Por ele me esqueci dos meus pilares. Afastei-me dos meus valores e somente vivi. Ainda sinto no meu corpo o cheiro dele. são ainda muito fortes as palavras dele. As promessas que ouvi no calor dos abraços. O toque e o seu hálito fresco.

Mãe, eu sabia que nunca o teria só para mim, na verdade nunca me importou porque somente me importava o presente. O ver-lhe sorrir ao alcance dos meus dedos.

Fui leviana. Sim! Nunca ninguem, mas sou maior e como tal, nunca me furtei as minhas responsabilidades e por isso decidi deixar nascer essa criança sem nunca exigir que ele estivesse comigo.


Fica, por favor! Ouvi-o pedir. Mas não podia ficar. Já era demais o sofrimento por mim causado.
Mãe, quando cheguei a Moscovo, tinha o coração repleto de dor. Estava completamente destruída. Mas aos poucos fui me levantando. Os meus amigos me apontavam os dedos e vezes sem conta ouvi dizerem que seria mãe de um filho que não teria um pai presente. Mas, peguei nas minhas forças e o aceitei. Montei um quarto rosa e amarelo. Teria uma menina e pensei chama-la Karimma Viktória. Seria a minha vitoria.

Mas parece que a vida resolveu me punir pelas minhas faltas. Puniu-me de modo doloroso.

Mãe, o sol começou a se esconder. É quase fim de tarde. Á essa hora me sinto cada vez mais vazia e não tenho como não chorar. Rezo sempre para me conformar, dizendo que Deus sabe o que faz, mas ainda não consegui.

Quando finalmente tinha tudo preparado, recebi a pior noticia da minha vida. Se eu tivesse esse filho, morreria. Era ele ou eu. Infelizmente, meu estado de saúde não era dos melhores e se me arriscasse poderia não ser forte para sobreviver.

Errei tanto que nem mãe pude ser. Nunca me perdoarei por isso.

Estou no quarto que preparei para ela, mãe. Estou a tocar as roupinhas para ela. A minha viktória.

Não sei se vou suportar tamanha derrota.

No momento que soube que não a teria comigo senti a alma fugir-me do corpo e mais sofri porque não tinha ninguém ao meu lado. Era eu em terra estranha.

Moscovo é melancólica e fria. Há invernos cerrados e para mim foram mais cerrados ainda.

Como uma desgraça nunca vem só, o pai da minha filha soube que tinha um dos filhos com leucemia e nenhum dos outros lhe podia doar a medula.

Mãe, ele estava aos prantos. E por instantes senti que ainda o amava. O maldito amor que tanto me custou. Paguei pelos meus erros com o que tinha de mais sagrado.

Lembro-me que a mulher dele me tinha dito que eu não teria esse filho pois que me amaldiçoava. Não a culpo pelo meu infortúnio. Mesmo depois de tantas provações, continuo crente.

Decidi reparar o mal que causei a família dele. Ás horas de que privei os filhos de sua companhia.
Mãe, se não posso ter o meu bebe, vou fazer com que o filho dele viva.

Quando doei o cordão umbilical, tinha o coração sangrado, mas me alegrei por ter dado vida ao filho da mulher que me rogou todas as pragas.

Mãe, ele veio a Moscovo com o pai para a cirurgia. A mãe veio junto e ver-lhe agradecer-me foi sem dúvida uma dor que eu não queria sentir. Não esperava que ela o fizesse, pois que eu fiz de coração. era o mínimo que podia ter feito.

Não sei quando volto á casa. Preciso recuperar minhas forças e quem sabe, reencontrar o Deus que mora em mim.

Antes que me inundem novamente o rosto essas lágrimas de dor e saudades, receba beijos dessa filha que te adora .

Saudades!


(LUANDA, 08.05.2012)


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